segunda-feira, 7 de julho de 2008

Texto do álbum de litografia de Marcello Grassmann


Comecei a fazer lito no Rio, no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro, com o Poty. O Carlos Oswald ainda era professor lá, mas ele estava dando “um particular” para nós, porque ele tinha aprendido a fazer lito. Ele estava passando para nós o aprendizado dele, que era uma porcaria, porque ele estava começando a fazer lito no Liceu. Ele passou a coisa para nós. Dessa época tem duas litos que eu fiz sobre zinco; no Liceu não tinha pedra, isso em 1949-50, por aí. Ao mesmo tempo eu estava fazendo água-forte com o filho dele, o Lilico, o Henrique Oswald. Lá eu tinha a oportunidade de ter uma prensa, uma grande prensa. Bom, a lito começou aí.
Já na primeira Bienal, 1951, o Mário Cravo veio para São Paulo, para essa Bienal. Ele me disse: “eu ganhei do Ciccilo um monte de pedras litográficas”, e eu perguntei se ele sabia fazer lito. Ele falou: “não”. Falei: “o que eu sei é porcaria, mas vou te passar”. Daí, fui com ele para a Bahia e lá no ateliê dele fiz umas vinte litografias. Nós começamos a fazer litos, mas sem prensa; tirávamos umas duas ou três provas. Nós fazíamos um tipo de xilogravura: colocava-se um papel bem liso sobre a lito e esfregava-se por trás. Essas provas são brilhantes. Normalmente eu tirava a xilo com um pedaço de madeira, então, ali, era a mesma coisa…ou com uma colher. Usávamos carvão litográfico. Aliás, o carvão litográfico era feito no Brasil; hoje em dia acho que não o fabricam mais…nem o usam mais. Se você precisar tem de comprar um lápis litográfico que custa 25 Reais. Fogo, não é?
No Rio de Janeiro, quando aprendi a técnica, eu fiz lito no zinco; daí, eu transpus essa técnica para a pedra, que é a mesma. O zinco já vinha “granitado”: ele vem com um grãozinho, como se fosse uma lixa, então, o desenho à lápis fica com aquele pontilhado. No ateliê do Mário Cravo começamos por granitar a pedra, porque eu sabia, já tinha visto gente fazendo. Granitamos umas pedras e ficamos trabalhando lá dessa maneira que eu falei, era só desenho à lápis.
A técnica é simples: tendo-se uma pedra porosa, plana, você faz o desenho com o lápis litográfico, que é gorduroso. Você faz um desenho com esse lápis e passa uma mistura de goma-arábica, ácido nítrico e ácido fosfórico por toda a pedra. São os ácidos que vão fixar essa goma-arábica, porque a goma é solúvel; se se deixar só a goma-arábica, na hora que você molhar a pedra, a goma sai. O princípio é: óleo repele água. Quando você retira a imagem que foi desenhada com um solvente qualquer, terebintina etc., etc., você obtém uma imagem negativa em goma-arábica. Como você umedece a pedra, aquela goma, uma espécie de carpete, segura a umidade da água que você passou com a esponja. Aí, você passa um rolo sobre a pedra com tinta litográfica, que tem uma viscosidade maior que a tinta de xilogravura. A tinta fica sobre a pedra, onde não tem a goma, então, o desenho aparece. Com a pressão da prensa você transfere para o papel a imagem desenhada; vai sair somente a imagem que você desenhou e não a outra parte vedada pela goma. Então, não deu para entender nada, não é! … Tem gente que fala melhor…
No zinco é o mesmo procedimento. Agora, você sabe…quem não tem, inventa: eu comprei um pedaço de alumínio, pus uma pedra por cima e granitei. Eu pensei: “no alumínio posso acrescentar coisas, retirar etc”. No alumínio pude dar um outro tratamento ao trabalho e pude imprimir na prensa de água-forte. Eu pensei em trabalhar a lito para que ela não ficasse um simples desenho, como as do Daumier, que fazia uma caricatura para jornal e que tinha de sair no dia seguinte. No caso dele, tinha de ser o método tradicional. Eu não, eu queria experimentar, retomar o trabalho, raspar, acrescentar… Só que, nessa altura, o Bresdin já tinha inventado tudo isso que eu falei, há! Ele fez todas essas experiências e as ensinou para o Redon. Seus trabalhos são elaborados com raspagens positivas; ele fazia o desenho com crayon, depois com uma aguada, depois vinha com uma ponta-seca, retirava a proteção, como se se passasse uma borracha e depois se escrevesse novamente. Quando você retira a proteção da base, a chapa recebe tinta novamente. Com alumínio, você pode voltar a sensibilizá-lo e trabalhá-lo novamente, como uma água-forte, uma ponta-seca, algo assim. O desenho está feito, daí eu retiro essa camada de goma-arábica que está protegendo a placa e posso retrabalhá-la infinitamente. Abrem-se muitas perspectivas. Isso eu acho interessante na litografia, porque a litografia como desenho é apenas um primeiro passo para uma outra coisa, elaborada, senão você fica cheio. Eu, pelo menos, fico cheio.

Conversa com Marcello Grassmann, abril de 2008. Graphias – casa da gravura

Um comentário:

Manoela disse...

Depoimento preciosíssimo! Parabéns pelo blog. Cheguei aqui através da Constança, vou linká-los em meu blog (www.manoelaafonso.zip.net). Abraços e bom trabalho por ai :)